Diversidade, Inclusão e Equidade – O caminho para a transformação
#Keyllen Nieto
Trabalhar com temas de Diversidade, Inclusão e Equidade é uma das missões mais gratificantes que uma pessoa ou uma organização pode realizar. Mas também saber que o tempo, esforços, conhecimentos e experiências estão focados em fazer a diferença de maneira efetiva para pessoas que foram privadas de oportunidades pelas mais variadas razões e durante séculos é muito desafiador.
Nesse caminho de transformação, encontramos não só resistências conscientes e inconscientes mas oposições abertamente discriminatórias e entraves estruturalmente consolidados. Felizmente, cada dia somos mais e mais pessoas e organizações no mundo inteiro tomando consciência e adquirindo conhecimentos, nos organizando das mais variadas maneiras e nos mais diversos âmbitos da sociedade para mudar essas estruturas, culturas, ideias e comportamentos.
O “xis” da questão está em entender como fazer essa diferença, já que o quando, os porquês, os com quem geralmente estão muito mais claros. E é aí que radica a minha atual inquietação, pois acredito que muitos dos caminhos, as estratégias e até os nomes que damos às nossas ações não estão correspondendo às demandas e necessidades daqueles públicos que deveriam se beneficiar com essas mudanças.
Ao ser um campo tão novo para o setor privado e para muitas pessoas que nele atuam, o caminho mais seguro tem sido o de copiar, com pouca reflexão e questionamento, o que é feito em países com realidades e histórias muito diferentes das nossas. E, como mulher cis, pansexual, imigrante da Colômbia, com passagem pelos Estados Unidos antes de ser residente do Brasil por quase duas décadas, digo isto com conhecimento de causa: estamos mais uma vez reproduzindo modelos alheios que têm demonstrado resultados francamente desanimadores nos próprios países tidos como referência.
Pode ser uma surpresa para você, mas as empresas de maior sucesso e renome no campo da tecnologia (e da D&I) estão revendo muito daquilo que nós estamos copiando de forma acelerada. Por que? Porque, no calor dos poderosos protestos do Black Lives Matter após o assassinato do George Floyd, ocorrido há um ano em 25 de maio de 2020, os números dos relatórios de D&I dessas empresas vieram a tona. E o que se viu foram avanços pobríssimos que acenderam o alarme: precisamos mudar as estratégias[1].
E olha que interessante: as pessoas LGBTQIA+ (dentre outros grupos sociais), especialmente as mais jovens, já começaram esse movimento de mudança própria em um caminho em direção à descolonização. E isso não quer dizer que elas estejam rejeitando tudo aquilo que serviu de inspiração e referência vindo dos Estados Unidos e da Europa. O que quer dizer é que estão se reinventando.
Os jovens gays agora se chamam de “yags”, que é a palavra escrita ao contrário – bem eloquente, não é? Também tem as “pocs” lindamente femininas; as lésbicas que pararam de se chamar de “gays” para adotar o nome que lhes é de direito e, ainda, perderam o medo de se chamar de “sapatão” com muito orgulho.
As pessoas trans e as travestis, além de impulsionar a visibilidade das suas vulnerabilidades e protagonizar lutas sociais, popularizaram o mais brasileiro dos dialetos: o pajubá, que carrega a intersecção da resistência das religiões afrobrasileiras com a coragem da sobrevivência transgênera. Tem as “bixas pretas” e aquelas que chutam as caixinhas de gênero com a cultura ballroom, dando lição de criatividade, dedicação, resistência e coletividade da qual temos muuuito que aprender. Tem as mulheres imigrantes lésbicas, bissexuais e pansexuais cujas pautas ressaltam ainda mais as interseccionalidades e o exemplo de mobilização, sororidade e articulação social.
Tem… enfim, muita coisa acontecendo lá fora das empresas que não podem ser enquadradas num grupo de afinidade que atua de forma independente de outros espaços, concorrendo por orçamentos, tempo e outros recursos limitados. Que não se identificam com um título importado como “Pride”; que acham linda a bandeira do arco íris em junho mas que suas pautas e especificidades não se limitam nem a uma bandeira e nem a um mês; que sentem falta de uma bandeira trans mas que sentem mais falta ainda de ações de inclusão e acolhimento verdadeiras em todos os espaços das empresas; que clamam por ser reconhecidas não como uma letrinha decorativa da sigla mas como pessoas assexuais ou então como intersexuais, tendo seus corpos e identidades respeitadas nos contratos e planos médicos e não mais chamadas de “hermafroditas”; que são elus muito além daquele nome “queer” que ninguém parece saber o que é porque, por estas terras, a pessoa não binária e gênero-rebelde chama-se como ela quiser.
Como pode-se ver, se não quisermos repetir os erros mostrados lá fora, precisamos avançar muito mais rápido para além da pergunta de qual banheiro as pessoas trans devem usar e de tentar imitar esses modelos. E como fazer isso? Entendendo o que funciona, como os diagnósticos de D&I, o apoio comprometido das altas lideranças com as ações, a destinação de recursos para as ações, programas tecnicamente bem planejados e executados e, algo quase inexistente por aqui: a transparência na publicação dos relatórios anuais de D&I de todo tipo e tamanho de empresa, dentre outras ações.
Mas também precisamos criar as nossas próprias formas de fazer, com ações que já mostraram resultados bem positivos espelhados nas cotas no sistema de educação superior; em incentivos de R&S que buscam superar os vieses inconscientes e se conectam com lugares e canais fora dos tradicionais e mais elitizados; em equipes realmente diversas com metodologias e estruturas inclusivas que se abrem a inovar pensando, criando e testando juntes programas que vão além da Diversidade e Inclusão e levam a sério a Equidade.
Só a nossa capacidade de escutar e incluir as vozes desse coletivo LGBTQIA+, que é muito mais do que orientações sexuais e identidades de gênero, poderemos realizar as transformações que o nosso país precisa para frutificar junto desses talentos maravilhosos que estamos deixando de fora enquanto nos esforçamos por seguir alguns caminhos com sinal de “rua sem saída”. Precisamos de mais coragem para estar à altura das demandas e das realidades postas. Quem sabe algum dia lá no norte não importem projetos maravilhosos nossos, como a TransEmpregos, por exemplo?
Vamos confiar na força da nossa coletividade, criatividade, resiliência e capacidade para fazer parcerias e ações efetivas que transformem as nossas realidades de verdade? Vamos construir como fazer juntes!
Keyllen Nieto. Fundadora da consultoria Integra Diversidade e membro da Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas, Bissexuais e Pansexuais.
[1] Os artigos aqui referenciados estão em inglês, já que não foi possível achar nada sobre os assuntos em fontes em português.
Keyllen Nieto. Colombiana, antropóloga urbana e Mestre em Desenvolvimento Sustentável Internacional. Atua com temas LGBTIQ, juventude e gênero desde 1996 e trabalhou em instituições como o Banco Mundial em Washington DC, a Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo e a ONG Instituto Sou da Paz. Fundadora e Consultora Sênior da Consultoria Integra Diversidade e Inclusão e membro da Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas, Bissexuais e Pansexuais (Rede Milbi)