Home Office é Acessível?

#Thierry Cintra Marcondes

Nesta época de pandemia com o objetivo de melhor proteger seus colaboradores todas as empresas liberaram o home-office ou trabalho remoto. Primeira vez para muitos, experiência única para outros (ainda mais durante bastante tempo).  Agora que se discute a flexibilização e o futuro do home-office, muitas empresas tem discutido a ampliação ou até a permanência deste. Mas, será que o trabalho remoto é acessível?

Quero debater nesse artigo as inacessibilidades do home-office e fazer um brainstorm de algumas dicas que as empresas podem oferecer para tornar o home-office/ trabalho remoto ainda mais acessível e de quebra mais produtivo.

Nesta pandemia tenho tido diversas experiências trabalhando remotamente. Eu, por exemplo, tinha acabado de mudar de apartamento em São Paulo com minha esposa e um cachorro filhote, quando estourou a pandemia e não tinha infraestrutura mínima em casa (não tinha uma cadeira de escritório, nem internet boa e tão pouco iluminação adequada). Também aproveitei para “fugir” da pandemia nas casas dos meus pais e sogros com espaço maior e melhor infraestrutura, vivenciando 3 lugares distintos para poder compartilhar essas conclusões.

Um fator importante para contextualizar para quem não me conhece, sou surdo oralizado – tenho surdez profunda que necessito fazer uso de próteses auditivas e fazer leitura labial. Mas refletindo e me colocando na pele de outras pessoas, seja elas deficientes ou não, sejam elas de baixa renda ou não, se dividem suas casas ou não – o home office tem sua parte de inacessibilidade, que afetam seriamente concentração e especialmente produtividade.

Trago 4 pontos de inacessibilidade que impactam não somente a produtividade do operador, mas quem também interage com ele, em escala de importância e maturidade.

1)    Infraestrutura – A infraestrutura é um ponto importantíssimo de acessibilidade no Home Office, não é somente ter sua salinha (realidade proibitiva para muitos), mas sim reparar em pequenos detalhes como desde ter uma boa conexão wi-fi e cadeira, coisas essenciais e fundamentais, já tive a experiência de trabalhar por quase duas semanas sem uma cadeira apropriada, minha produtividade caiu muito, tinha vários incômodos depois de duas horas trabalhando e não aguentava passar mais que 4 horas. Mesmo me alongando sempre e colocando um travesseiro para sentar, isso me deixava ansioso, inquieto e com a frustração de não estar fazendo bem meu trabalho, além de ter uma necessidade de sair para dar uma “caminhada” colocando-me em risco de contaminação. Ter uma cadeira confortável realmente melhorou muito minha produtividade. Isso vimos várias empresas presentearem seus colaboradores com cadeira mais ergonômica. Atitude bem importante com relação a produtividade dos seus colaboradores.

Mas temos outros pontos também a se observar como a iluminação, trabalhar num ambiente escuro ou de alta claridade além de ser prejudicial para saúde ocular, prejudica muito também a qualidade de uma  videoconferência, por exemplo. uma janela atrás do computador, além de refletir muito na tela, faz com que o rosto da pessoa fique bem escuro na videoconferência, dificultando a leitura labial. Assim como iluminação é um assunto levado em conta pelo departamento de ergonomia da empresa, esses, a pedido dos colaboradores, poderiam auxilia-los para que a pessoa possa ter no ambiente de trabalho melhor iluminação e as empresas (com melhores condições) poderiam dar um vale-escritório. Dessa forma, o colaborador poderia comprar uma cortina, lâmpadas LEDs, suporte de computador e apoio de pés que, não mencionei aqui, mas fazem com que haja riscos de lesões decorrentes da falta de ergonomia. Certamente isso aumentaria a produtividade.

2)    Espaço e ambiente – Ter um espaço para trabalhar, uma mesa é algo que ajuda muito, estimula a criatividade, novos projetos e consequentemente a produtividade. Porém, não é a realidade para muitos. Um espaço “colorido” como muitas startup promovem podem ser uma ajuda para melhorar a produtividade. As empresas poderiam dar mimos personalizados para os funcionários mostrando que se importam com eles, como cartaz da sua banda favorita, claro colocando num espaço valores, missão da empresa e boas práticas do home-office. Um cartaz, um porta retrato de momentos especiais, um mini-boneco, um pacote de café (para os bons bebedores de café), entre outros. Esses pequenos mimos que podem trazer felicidade e melhorar na produtividade.

3)    Tecnologia – A tecnologia vem ajudando a ter um home-office mais acessível. Eu, por exemplo, uso aparelhos auditivos digitais, que conecta ao computador, tablet, telefones via Bluetooth, isso me facilita muito (se não fosse essa tecnologia teria muitas dificuldades de fazer as videoconferências). outro exemplo é que, mesmo sendo surdo as pessoas continuam me enviando áudios pelo WhatsApp. Uso aplicativos para transcrever o áudio em texto.

Existem várias tecnologias gratuitas disponíveis e fantásticas, como por exemplo, vocês sabiam que o Powerpoint tem a ferramenta de colocar legendas (isso deverá chegar para o Teams em breve). O outlook tem ferramentas para avaliar se o e-mail está inclusivo.

Compartilho um artigo fantástico escrito pela Gabriela Magalhães do time de Acessibilidade da Microsoft (https://www.linkedin.com/pulse/trabalho-remoto-inclusivo-gabriela-magalh%C3%A3es/).

As empresas deveriam criar grupos internos para as pessoas se ajudarem, compartilharem informações, boas práticas e também com outras empresas. Estamos num momento de empatia. E assim como mencionei antes do vale-office, apoiadores, deveriam ter também um vale-acessibilidade, para ajudar os colaboradores comprarem ferramentas que possam ajuda-los, pois, uns podem precisar de fones de ouvidos mais potentes e outros mouses ergométricos. Eu por exemplo, adoraria uma ajuda para comprar conectividades para poder me comunicar via videoconferência.

4)    Apoio – Apoio de familiares é extremamente importante, não dá para concentrar vendo sua esposa triste, um parente desempregado, ainda mais neste momento de turbulência e crises, é preciso mais que um apoio interno. Muitas empresas aderiram ao programa de preservar os empregos dos funcionários e não demiti-los (o que já é um belo avanço, pois tranquiliza os funcinários). Poderiam também indicar cursos, treinamentos para os parentes, organizar mutirões virtuais para ajudar a uma causa nobre, fazendo com que essas pessoas se ocupem, se capacitem, melhorem seus currículos e se auto valorizem.

Fora que esse artigo estou dirigindo para um publico com condições acima da média, pois existem milhares de pessoas sem wi-fi em casa, ou até que não possuem computador (só utilizam smartphones para suas atividades). Sem lembrar da triste realidade de muitos que não tem eletricidade ou até saneamento básico em casa, sofrendo instabilidades emocionais o tempos todo.

E a sua empresa o que está fazendo?

Thierry Cintra Marcondes  Surdo, aprendeu a falar português, inglês e espanhol por vibrações e por leitura labial. Idealizou projeto de Carbono Compensado, tornou-se Jovem Embaixador Ambiental na Bayer e Embaixador da Artemísia (CHOICE). Ex-líder de Transformação Digital na Fábrica/ Operações da L’Oréal, onde fez o roadmap de inovação e industria 4.0 da fábrica e liderou mudanças de mindset, implementou projetos de inovação aberta.

Atualmente trabalha na Accenture com inovação e tecnologias emergentes. E idealizador do Empatia do Silêncio e #surdoehquemfala, que apresenta para pessoas uma outra maneira de comunicar e entender, já que os surdos são usuários extremos da comunicação, fora ensinar sobre empatia. Thierry sempre liga diversidade/acessibilidade e inovação, falando que o diversidade é um pilar fundamental da nossa transformação digital.   Quer mostrar que surdos vão mudar o mundo.

Empatia do Silêncio

O workshop “Empatia do Silêncio” e o “Trio da Empatia Surda” surgiram da campanha #surdoehquemfala, criada em 2016 com o objetivo de conscientizar a sociedade e de diminuir o preconceito contra a pessoa com perda auditiva.

Ao longo dos anos a #surdoehquemfala vem se desabrochando em diferentes e complementares ações: em 2017 ajudou os surdos atletas a arrecadar fundos para competir na Olimpíada da Turquia, em 2018 ancorou a Primeira Semana da Acessibilidade Surda com o varejo de São Paulo/SP e desde então atua diretamente nas empresas com o workshop “Empatia do Silêncio” e o “Trio da Empatia Surda”.

O desafio destas ações em ambientes corporativos está em sensibilizar ouvintes e aumentar a oferta de emprego para os surdos aptos ao trabalho no Brasil. “Queremos dar visibilidade e voz `a chamada “deficiência invisível” e provar que a perda dos sentidos ‘e apenas uma variável natural do ser humano”. Na Empatia do Silêncio as pessoas terão as mais diversas experiências de comunicação: desde uma noção de leitura labial, linguagens de sinais e vivenciar uma situação de trabalho em grupo sem poder escutar.

#PraTodosVerem: Thierry de rosto e peito, na foto, em fundo lilás, em pose mais virado ao lado esquerdo. Tem pele clara, usa óculos de grau com armação preta, cabelos curtos e pretos, no ouvido direito usa aparelho auditivo, na cor preta, tem barba rala e veste camisa social preta com estampas pequenas de flores pequenas na cor azul, pendurado no pescoço com fio branco está o pequeno controle do aparelho auditivo.

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