Trilogia Educação Inclusiva: Como educar nesse cenário?
#Sylvia Terra
Este é o segundo texto da trilogia sobre Educação Inclusiva, escrita a partir das aulas do módulo sobre o tema publicado em abril na Academia da PlurAllidade, um espaço colaborativo onde o time da FourAll compartilha conhecimento sobre temas relacionados à pluralidade, diversidade, equidade e inclusão.
No primeiro texto, falei sobre a diferenciação entre educação inclusiva e especializada, expondo os impactos da educação no Brasil a partir de dados como taxas de analfabetismo e de ocupação de pessoas com deficiência, apesar dos esforços da Lei de Cotas, que completa 30 anos em julho de 2021.
“Cabe ressaltar que a Lei (LBI, Lei Brasileira de Inclusão) prevê o acesso (da criança com deficiência às escolas), mas para que haja inclusão é preciso dar condições de acesso, permanência, aprendizagem e sociabilização a todas as pessoas.”
Fechei o primeiro texto afirmando que falaria sobre outras deficiências neste segundo.
Desigualdade social, analfabetismo funcional, falta de acesso são mais que isso: são mazelas que afligem a nossa sociedade e expõem as discrepâncias que fazem os direitos parecerem privilégios.
Sim, vivemos num mundo BANIVUCA. Certezas são frágeis (brittle), pessoas ficam a cada dia mais ansiosas (anxious), a não linearidade (non linear) dos acontecimentos nos sufoca e torna a vida incompreensível (incompreensible). E sim… continuamos lidando com a volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambiguidade dos fatos.
Como educar neste cenário? Aqui cabe um novo mantra: desaprender para reaprender a aprender.
Para que tenhamos condições reais de tornar a educação inclusiva para todas as pessoas, precisamos que todas as pessoas se engajem nesta causa, usando ferramentas da comunicação inclusiva e da empatia para alcançar a perspectiva das outras pessoas e ajudar em sua caminhada. A moral da história aqui é que toda pessoa é uma educadora em potencial vivendo num mundo em que o cenário é incompreensível, mas a mensagem deve ser clara: somos seres humanos em construção. Seres inteligentes que querem ser algo mais.
Afinal, como dizia o arquiteto Louis Kahn, “até um tijolo quer ser alguma coisa, até um tijolo tem aspirações”. Ele sabe que é capaz de construir casas, escolas, pontes, presídios ou muros. Ele sabe o que é e o que pode ser. Mas ele não tem escolhas. Diferente do tijolo, o ser humano não nasce pronto e tem escolhas. Precisa apenas se perceber humano para fazê-las.
Para que nós possamos nos ver como seres humanos inteligentes, para que tenhamos aspirações, precisamos ir além da base da pirâmide de Maslow, onde figuram as necessidades fisiológicas e de segurança. Para aproximadamente 7,5 milhões de pessoas no Brasil, que vivem abaixo da linha de extrema pobreza, estas necessidades não estão sendo alcançadas. Ainda que tenham acesso à educação básica, será que se sentem incluídas na sociedade?
Segundo Paulo Freire, o analfabetismo é “uma das expressões concretas de uma situação social injusta”. E, no Brasil, assim como no mundo, as taxas de analfabetismo mudaram significativamente. Se compararmos os números do primeiro Censo, em 1872, quando 82% da população era analfabeta, com o último, de 2010, em que ainda restavam 12% de pessoas analfabetas na população acima de 5 anos, percebemos que muita coisa evoluiu.
Mas não o bastante. A evolução do letramento didático não corresponde ao letramento ou alfabetização funcional, uma vez que 29% da população brasileira tem dificuldades para ler textos e aplicar conceitos de matemática, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em 2018. Menos ainda ao letramento social, que aponta como lidamos com preconceito e discriminação: pesquisa da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP) afirma que 99% dos profissionais de educação, responsáveis e alunos têm preconceitos. Todos temos, afinal. E há ainda o idioma como barreira. Falado nos cinco continentes, o português é a língua oficial de oito países, falada por mais de 240 milhões de pessoas em todo o mundo. Mas não basta. No Brasil, segundo pesquisa do British Council, 97% das pessoas acreditam que teriam um salário melhor se tivessem inglês avançado ou fluente. Em 2013, apenas 5% das pessoas com 16 anos ou mais afirmavam possuir algum conhecimento de inglês no Brasil.
E a reflexão é a seguinte: ao excluir as pessoas analfabetas + analfabetas funcionais + monoglotas (só falam português) = quantos profissionais ficam de fora do mercado de trabalho?!
Acessibilidade é sobre dar condições de acesso, oportunizar. Falar de acesso é citar outras barreiras: mobilidade, transporte, material adaptado, tecnologia, internet. Mas a boa notícia é que o cenário está mudando gradativamente no mundo todo.
Um estudo disponível no site Our World in Data nos mostra que, à medida que a desigualdade na educação diminui ao longo do tempo, o nível de desigualdade é maior para as gerações mais velhas do que para as gerações mais jovens. Analisando o coeficiente de Gini no período entre 1960 e 2010, percebe-se que a desigualdade diminuiu a cada ano para todas as faixas etárias e em todas as regiões do mundo. Isso nos leva a crer que, como a desigualdade é menor entre as gerações mais jovens de hoje, o declínio da desigualdade deve continuar no futuro. Considerando que ainda esperamos reduções adicionais na desigualdade educacional nos países em desenvolvimento, podemos acelerar esse importante processo de convergência global se a expansão da educação puder ser continuada.
Em resumo: este é o melhor momento para oportunizar a inclusão de todas as pessoas! Fazendo da educação um processo de humanização e emancipação, como diz Theodor Adorno. Esse processo acontece de dentro para fora, primeiro com a satisfação das necessidades básicas (individualismo), depois a adequação à sociedade (humanização) e então o aprender a pensar de forma autônoma (emancipação).
A educação inclusiva favorece o processo de humanização e emancipação quando começa a mudança de comportamento individual, gera mudança no comportamento de um determinado grupo e impacta a sociedade como um todo, mudando o comportamento de geração em geração. Eis o caminho da igualdade, enfim, pela via da equidade.
Vamos explorar mais essa via na parte 3 de nossa trilogia.
Para refletir: “Educação é o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele.” Hannah Arendt
Sylvia Terra é administradora, pós-graduada em Gestão de Recursos Humanos e Gestão do Conhecimento, além de uma empreendedora que acredita e trabalha com e para pessoas.
Tem mais de 20 anos de atuação em Recursos Humanos de grandes empresas, é fundadora da FourAll, da PlurAll Academy e da Camargo Consultores Associados, diretora do Camp Mangueira, voluntária em projetos sociais, filha, esposa e mãe em tempo integral.